quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Camone, bói!

Estou deitado de bruços num meio de uma touceira de banana. A posição é muito incômoda, mas fico coberto. Consegui chegar aqui sem ser visto, em três pulos, vindo de lá de trás da velha jaqueira. Meu corpo está colado ao chão, a cabeça levemente erguida, os olhos perscrutando o território inimigo. A mão direita segura firme o cabo do revólver, o dedo comprimindo nervosamente o gatilho.

O calor é demais. O sol a pino me queima a cabeça e o pescoço. Perdi o chapéu há pouco, correndo no meio do pasto por entre os galhos espinhentos dos maricás. A camisa, um tanto rasgada, está encharcada de suor, que me escorre desde testa, ardendo os olhos. Não posso enxugá-los com a mão. Qualquer movimento em falso será fatal. Se o bandido me descobre, sou um homem morto.

Tento controlar a respiração, ofegante pelo esforço e pela tensão. Talvez por um pouco de medo, também.

Acho que o miserável está escondido no meio daquele mato, a uns cinqüenta metros à minha frente. Entre nossas posições, mais para a direita, há um tronco de cajazeira, caído e cortado, grande bastante para me abrigar. Se conseguir chegar lá, posso rastejar até a plantação de mandioca. Então, dou a volta no terreno e pego o sacana por trás.

Fazendo planos, permaneço com o olhar fixo nos arbustos lá na frente, a cabeça encostada na bananeira, esperando o momento certo para me mover. De repente, pelo canto do olho vejo um minúsculo vulto escuro passar perto do meu rosto. Não dou atenção, não posso desviar a vista do esconderijo do bandido. Logo, outro vulto segue o primeiro, e mais outro, e mais outros... FORMIGAS!!

Porra! Estou em cima de um formigueiro!!!

Desesperado, consigo dar um salto de sapo e caio deitado mais adiante, em terreno aberto. Rolo e rastejo rapidamente em direção ao tronco caído, ralando o peito e os braços nos torrões secos do massapê.

O coração dispara. Fico com os sentidos atentos, procurando perceber por qual lado o bandido vai aparecer. Com certeza ele já me descobriu e vem para me matar. Puxo o cão do revólver para trás.

Nada. Tudo quieto, ele não me descobriu. Então, me acalmo, desarmo o revólver e vou até a ponta do tronco arriscar uma olhadela lá na frente. Ninguém à vista. Bem, agora é só ganhar as mandiocas, dar a volta pela casa de farinha e retornar por trás do pistoleiro.

Já estou do outro lado da casa. Devem ter se passado uns bons vinte minutos desde que saí do bananal. Até aqui, tudo bem. Nenhum sinal do bandido. Me arrasto, contornando a ruma de lenha seca. A posição é ótima. O campo está livre.

Há uma pedra de bom tamanho entre mim e os arbustos onde o bandido deve estar escondido. Mais uma vez, vou rastejando, devagar. Não tenho pressa. Ele deve estar vigiando o outro lado, nem imagina que vou chegar por trás. Rarará! Sou mais inteligente que ele.

Junto à pedra, faço uma última revisão no revolver. Tudo OK! Munição bastante para um longo tiroteio. Mas, nem vai precisar. Será um tiro só, certeiro, se ele não se render. Daqui que ele se vire, eu toco fogo.

Bem, lá vou eu. Tenho que ficar calmo, respirar o mínimo possível. Não pode haver qualquer ruído, senão sou um homem morto.

Estou chegando. O revólver está pronto, puxo de novo o cão para trás, o dedo firme no gatilho. Olha lá, vejo até a ponta do chapéu do desgraçado. Que surpresa ele vai ter!

Meu coração parece que vai pular da boca. Uma cólica repentina me “rasga” a barriga. Respiro fundo. Decidido, os olhos atentos, começo a me levantar para o assalto.

- CAMONE, BÓI!

Quase me borrei todo quando ouvi aquela voz atrás de mim e senti um cano duro encostado nas minhas costas.

- Porra! Vá meter susto na puta que pariu! O que você está fazendo aí atrás? Você deveria estar deitado ali no mato - grito, indignado.

- Rarará. Ganhei, te peguei de novo - zombou o “bandido”.

- Que banana! Onde é que você se meteu esse tempo todo? Estou há horas me arrastando pelo mato à sua procura... E aquele chapéu? - reforço a indignação.

- Quem mandou me procurar lá longe no pasto? Eu estava no bananal, e aí você passou a porteira em direção aos maricás. Então, fui pra casa merendar. Como você estava demorando de chegar, vim lhe procurar. Encontrei você rastejando por detrás da pedra. Aí, eu lhe peguei. E esse chapéu velho não é meu, alguém o perdeu aí. Amanhã, vou ser bandido de novo - disse meu primo.

- Aqui pra você! Já tem três dias que sou mocinho. Não quero mais. Ou agora vou ser o bandido ou não vou mais brincar - falei, retado da vida, enfiando o revólver de espoleta no coldre.

- Problema seu. Você não sabe perder. Vamos embora para casa que já é hora do almoço e sua mãe deve estar preocupada com a gente.

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